terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O príncipe e o beija flor

Esta não é uma história sobre o perdão! Não é uma história de amor; mas, também não é uma obra de ficção. É uma fábula, um conto quase encantado, de um reino distante e não tão encantado quanto o conto.

Era uma vez um bichinho, que vivia em um mundo simples, selvagem e feliz. Vivia solto...Tinha vôos prosaicos, mas aprendia muito nessa simplicidade com a qual vivia. Em sua floresta, era tudo mágico, encantado. Tudo tinha vida! Conhecia cada flor, e as chamava cada uma por seu nome. Por menor que fosse, tratava a todas com o mesmo carinho e cuidado. Como pássaro, cultivava a essência da liberdade, da leveza e da beleza que há nas coisas mais corriqueiras; conseguia ver riqueza em seres microscópicos e descobria tesouros onde ninguém imaginava, pois, enxergava a fórmula da beleza: um acordo entre forma, conteúdo e abstrato.
 Seus olhinhos brilhantes observavam lá no fundo da polpa. Buscava o que estava por dentro das plantas e fazia exalar o perfume que os habitantes além da floresta mágica não conheciam, e com o qual se intrigava.
Voava em paz. Fazia voos profundos. Era feliz assim, tendo seu mundo abaixo de suas asinhas, para pousar quando quisesse. Se sentia seguro e confiante. Era amado e sabia liberar amor, e, embora fosse um animal silvestre e selvagem, era de fácil domesticação.
Um dia, o sol estava lindo! Os outros passarinhos cantavam e o coração do pássarinho estava radiante pela vida maravilhosa que se apresentava diante dele todos os dias. Agradecia à Deus a todo o tempo pela paz de seu reino e a felicidade de seu coração. Voando nos limites de sua floresta, o animalzinho  viu-se observado por um ser de outro reino. Era grande e parecia um ser muito poderoso, mas possuía lindos olhos de citrino! Apesar de pertencerem a mundos diferentes, os dois seres se entenderam e se gostaram à primeira vista.
O ser de outro reino pediu para conhecer a floresta encantada e assim foi concedido. Entrou no palácio do passarinho, viu a alegria que adornava seu ambiente. Não tinha luxo, mas, era sólido, puro, feliz. Onde não existia mal, nem guerras, nem choro e todos os habitantes e quem chegasse poderiam viver felizes e em paz. As paredes eram de risos e sons do vento que entravam suavemente balançando as longas penas coloridas e sedosas do passarinho, que dentro de sua natureza selvagem, possuía tamanha delicadeza capaz de destruir muros intransponíveis.
O ser do outro mundo, acostumado a reinos construídos de pedra e onde todos tinham a mesma força bruta e pesada, escondeu do novo amiguinho sua natureza árida, gélida e hipnotizante que possuía. Convidou-o a alçar voos além dos limites da floresta. O passarinho, por um momento hesitou, mas, encantado pela beleza dos olhos de citrino e dos afagos que ganhara em suas asinhas, lançou-se com o desconhecido para explorar seu reino de pedras nada preciosas. Ele não poderia imaginar a existência de um mundo em sépia, já que seu reino explodia em cores, e sons e risos.
 O amigo estrangeiro, que parecia tão bondoso e encantador, lançou-o às feras famintas e enlouquecidas de seu reino destruído por guerras internas, onde só prevaleciam as imponentes muralhas, que, vistosas por fora, davam a impressão de um grande reino, uma poderosa cidade, mas que por detrás dos portões, amontoavam-se em cinzas e escombros. Guetos por onde ele se escondia. E as feras atacaram o pequeno pássaro que não sabia fazer guerra, pois,não fora criado para isso. Fora criado solto, livre, vendo vida e graça em todo ser existente.

O pássaro então, esquivou-se das bestas insanas e conseguiu, mesmo com seu corpinho machucado, com as asinhas quebradas e o coração despedaçado, escapar com vida. Foi sarando as feridas de seu corpo, selou seu coraçãozinho e ainda espera as asinhas se recomporem para poder voar de novo.
Quanto ao ser horrendo que o traiu, ele continua atrás das muralhas de seu reino imponente. Ainda tentando alimentar as feras que ele próprio concebeu em suas entranhas. Recolheu-se em seus salões negros e de úmidas pedras a fim de preparar sua mais nova caçada.
Se o passarinho declarou guerra ao reino inimigo a fim de vingar sua honra e o sangue derramado? Não! Jamais um ser tão abençoado, tão cheio de luz e coisas boas poderia gastar sua energia com vingança. Ele só queria continuar feliz como estava. Conheceu algo que o deslumbrou; uma coisa que dá cócegas no estômago e arrepios na coluna, que os humanos ( seres de outro reino mais distante que esse) chamam amor. E descobriu que amor é bom. É gostoso. Amor faz rir.

O passarinho não pensa me vingança. Ele aprendeu que o mundo fora da sua floresta tem pouco a ver com o amor. Que fora dos limites de seu mundo, os seres não são felizes, mas, precisam mostrar-se assim para atraírem novas presas e até mesmo outros seres da mesma espécie que podem acrescentar mais uma pedra às suas paredes. Viu que são construídos de maneira suntuosa, mas, suas muralhas são feitas de uma beleza que se desfaz com as lágrimas dos que cruzam seus portões.
Se o beija flor vai conseguir perdoar? Isso ainda é incerto. As dores ainda o impedem de voar novamente mesmo dentro de seu reino. Ele é um ser que acredita sinceramente que, em algum lugar, há olhos que anotam aquilo que nossa boca e nossas mãos tentam esconder.

Como eu disse, essa não é uma história sobre o perdão. Mas, sobre identidade. Sobre quem somos de verdade. Sobre o que existe em nosso íntimo cada vez que nos maquiamos, nos vestimos de príncipes e princesas para alimentarmos nossos demônios.

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